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Reporteres sem fronteiras

História

No Brasil, historicamente, sempre houve uma legislação muito tímida para barrar a concentração de propriedade dos meios de comunicação. E, nas comunicações, poucos proprietários equivale a menor diversidade de conteúdo, ou a maior possibilidade de restrições à livre manifestação do pensamento. A concentração da propriedade coloca em risco, portanto, os próprios fundamentos da democracia representativa liberal. E o Brasil tem se mostrado um ambiente propício para essa situação, ainda mais prejudicial à sociedade quanto mais consolidada estiver a convergência tecnológica dos meios de comunicação. O modelo brasileiro de mercado de comunicação é caracterizado por dois fatores principais: a hegemonia do sistema privado, embora a Constituição Federal de 1988 estabeleça a complementariedade entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação, e a alta concentração de propriedade. Modelo este que foi reforçado durante o período de ditadura militar, entre 1964 e 1985.

O golpe de 1964 no Brasil ocorreu em um contexto de Guerra Fria pós-Revolução Cubana, tendo sido articulado entre setores conservadores do Congresso Nacional e das Forças Armadas, apoiados com informação e recursos por uma estrutura geopolítica pró-Estados Unidos e de “caça aos comunistas”. A quase totalidade dos jornais e revistas brasileiros, principalmente os veículos de grande circulação – como O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Dia, O Cruzeiro – apoiou a declaração da mesa diretora do Legislativo nacional de que a Presidência da República estava vaga, quando, na verdade, o presidente legitimamente eleito, João Goulart, se encontrava em pleno território brasileiro avaliando junto a seus apoiadores se deveria resistir aos golpistas ou não – já que, na sua avaliação, resistência significava provavelmente jogar o país em um confronto armado. Acabaria decidindo por não fazê-lo.

Honrosas exceções de veículos que não apoiaram o golpe de 1964 foram os jornais “Última Hora”, “A Noite” e “Diário Carioca”, que se posicionaram em defesa da Constituição e, portanto, da manutenção de João Goulart como presidente brasileiro. Como consequência desta posição, o Última Hora, o único entre os três jornais que tinha de fato uma circulação expressiva, teve suas sedes no Rio de Janeiro e em Recife (Pernambuco) destruídas na madrugada do golpe, para que deixasse de circular nos dias seguintes. Nos anos 1970, o jornal acabaria vendido à empresa Folha da Manhã S.A., que publica ainda hoje a Folha de S. Paulo. Antes, em 1964, a edição regional de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) do Última Hora já havia dado lugar ao jornal Zero Hora, apoiador do regime militar desde sua primeira edição.

A relação entre a ditadura militar e o mercado de comunicação no Brasil vai além do aspecto da falta de independência da mídia brasileira em relação ao regime. Os sucessivos governos militares foram os responsáveis em última instância pela correlação de forças no mercado midiático, pois buscavam articulações com empresários para ações de apoio ao governo e fomentavam com recursos públicos a formação de grandes redes de comunicação simpáticas ao regime. As licitações para concessão de canais de televisão eram agrupadas em lotes visando a formação destas redes nacionais, priorizando um modelo concentrador privado de comunicação. Além disso, para implementar seus projetos, os empresários contavam com recursos públicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Para o regime militar, a televisão mais do que qualquer outra mídia, favoreceria o projeto de integração nacional colocado em marcha. Mas, diferentemente do rádio, a televisão ainda não era um veículo de massa no Brasil dos anos 1960. Por isso, a mídia recebeu atenção especial da ditadura, que também facilitou os investimentos de grupos estrangeiros no país. Neste período, foi instalada com recursos públicos a infraestrutura de comunicação no território nacional, a partir da criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) e, mais tarde, da Telecomunicações Brasileiras (Telebrás), e do início do Sistema Brasileiro de Telecomunicações por Satélite (SBTS), com a colocação em óbitra dos satélites BrasilSat 1 e 2, já a partir dos anos 1980, ampliando o alcance das redes nacionais de televisão. Esta conjuntura política gerou as bases estruturais para que, por exemplo, o Grupo Globo se tornasse o maior conglomerado de comunicação da América Latina e um dos maiores do mundo.

Era por meio da televisão que os militares divulgavam as grandes obras executadas no país, principalmente no período do chamado “milagre econômico brasileiro”, entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970, justamente aquele que corresponde ao de maior repressão por parte do regime – e que acabaria por gerar uma elevada dívida externa contraída pelo governo federal. Não havia críticas diretas ao regime, em parte pela ação dos censores, mas também devido à autocensura imposta pelas próprias emissoras. Faziam sucesso programas de auditório comandados por apresentadores de grande apelo popular, como Chacrinha e Silvio Santos, e as telenovelas começavam a se tornar um gênero de grande sucesso, o que seria consolidado nos anos 1970.

O modelo de concentração de propriedade privada de comunicação não seria alterado após o final do regime militar, em 1985. Pelo contrário, seria ampliado a partir da geopolítica regional, de hegemonia do neoliberalismo econômico. Iniciativas de privatização das empresas estatais de diversas áreas, inclusive nas telecomunicações, foram colocadas em prática durante os governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, e os grandes conglomerados de comunicação passaram a concentrar ainda mais poder político e econômico por meio da propriedade cruzada dos meios, dada a ausência de um controle regulatório efetivo por parte do Estado. No Brasil, as comunicações aparecem ao lado das indústrias de chocolate, bebidas e pasta de dente como os setores onde ocorre maior concentração econômica.

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